quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Histórias de um taxista




Texto e Fotos: Rômulo Seitenfus


Odevino Portinho, mais conhecido por Dido Portinho, é apaixonado por tudo o que faz. Taxista há trinta anos, cantor e declamador, já viu e ouviu de tudo nesta vida e agora tem muitas histórias para contar. As traições entre passageiros e o caso do bebê que nasceu no banco de trás do seu táxi a caminho da maternidade, são alguns desses contos verídicos.
É preciso coragem para enfrentar os riscos que esta profissão apresenta e isso é o que não falta em sua personalidade. Depois de perder muitos de seus amigos e colegas de profissão por assalto, Dido não desanima e nos fala porque quer continuar.
Nesta entrevista, ele reflete sobre a segurança, se emociona ao lembrar dos amigos e colegas que partiram no ofício da profissão e mostra que ainda tem inspiração para seguir em frente improvisando prosas e cantando as faixas de seu CD, lançado pela NCK.
Basta entrar no seu táxi para conhecer um pouco do seu universo fantástico. Ou, ler esta entrevista imperdível!




Como o senhor ingressou na profissão?
Quando eu saí do exército fui trabalhar de taxista. Meu pai era contra. Ele dizia que ia ser muito perigoso, que eu correria riscos, mas como era de maior fui mesmo assim. Meu irmão até arrumou um carro de um amigo, o finado Carlos Maidana. Mesmo contrariando meu pai eu não me arrependo de ter ficado trabalhando na praça.


O início foi neste mesmo ponto aqui?

Sim. Eu entrei na praça dia 22 de março de 1973. Quando cheguei aqui na frente do Ginásio Municipal, onde estou até hoje, não existia nada. Nem sombra tinha. No verão nos abrigávamos no frescor do antigo Mercado Côco, que ficava aqui na frente e no inverno quase congelávamos dentro dos carros. Não tinha esta casinha, foram tempos difíceis. O supermercado nos acolhia do sol da manhã e nas tardes íamos para as sombras do ginásio. Nos primeiros quatro anos trabalhei como empregado e depois comprei meu próprio carro.



É bom ser taxista?
Eu amo minha profissão. Só descanso quando tenho outro motorista à disposição. Caso contrário trabalho direto, até nos feriados e domingos. Mesmo quando estou em horário de almoço e um cliente me liga pra eu fazer uma corrida, simplesmente deixo o prato de lado e vou atender o passageiro. Não posso deixá-lo na mão, pois o cliente é prioridade.

Já ocorreu de o senhor realizar a corrida e no final dela a pessoa negar o pagamento?
Muitas vezes. Já perdi muitas corridas, acontece muito de chegarmos no destino final e a pessoa não querer pagar. Daí acabamos perdendo a corrida. Se é um marginal eu já nem reajo. Minha vida é muito mais importante que aquele dinheiro.

O que mudou na segurança de uns anos para cá?

A segurança perdeu seu controle por que a violência está cada vez maior. Eles (assaltantes) não tem mais medo de nada. Eliminam pessoas como matassem galinhas. Vão pra cadeia e não ficam muito. Antigamente o preso ficava na cadeia. Hoje eles nem querem mais se preocupar porque sabem que se entrarem, sairão logo. Apesar ter sido tempos difíceis, antes era bem mais fácil, não aconteciam tantos assaltos como hoje. Os crimes agora parece fazer parte do cotidiano. Isso é muito triste.

Como a sua família reage a esta situação da falta de segurança?
A vida do taxista é insegura. Saio de casa sem saber se vou voltar. Meu filho pergunta: “Pai, porque você vai trabalhar hoje? Vai voltar para a praça?” E eu respondo: “Eu vou. Enquanto vocês me verem entrando e saindo por esta porta está bom. Esta é a minha profissão.” Eu sei que também é a minha missão. Preciso continuar.

Como o senhor encara a questão do alcoolismo dentro do seu táxi?

A gente trabalha muito isso porque ocorre constantemente. As pessoas entram no táxi bêbadas. Eu as atendo da melhor forma possível, da mesma maneira que atenderia se não estivessem alcoolizadas.

O senhor já presenciou cenas de traições conjugais?
Constantemente. Acontece muito de mulheres saírem para trair e pedem para não contar onde foi que as levei. Mas já aconteceu de vir o esposo aqui e querer saber onde ela havia ido.

Qual a história mais inusitada que presenciou dentro do seu táxi?
Foi um bebê que nasceu dentro do meu carro a caminho da maternidade. Isso ocorreu há 28 anos. Era madrugada e um homem de nome Manoel me chamou do bairro Brum. Foi tão sincero que me avisou que não tinha dinheiro para pagar a corrida e a esposa estava quase ganhando bebê. Eu corri pra lá e ela estava de fato já em fase de parto. O táxi era um Corcel branco, quatro portas, com capota preta. Para a nossa surpresa, o bebê nasceu dentro do carro quando estávamos chegando ao hospital. Eles ficaram tão emocionados que me perguntaram se eu aceitaria ser o padrinho do bebê. Eu me senti único. A Mirele é a minha primeira afilhada, mora em Ijuí e tem dois filhos. O compadre Manoel trabalhou posteriormente aqui na praça comigo.

O senhor gravou um CD de prosas que foi lançado pela NCK...
Sim. Eu gravei o CD aqui e o Jorge Freitas levou para São Paulo para ser lançado. Primeiramente foram produzidas 1.000 cópias.

(Seu Portinho pede licença para atender um cliente ao telefone)

(Continua) Onde paramos?

Me contava sobre as 1.000 cópias que foram vendidas...


Ah sim! Depois que estas foram vendidas eu peço 300 cópias por vez e sempre vendo. Comercializo no táxi, nas apresentações que faço. Tenho muitas amizades e o pessoal sempre compra para presentear os amigos.

Os passageiros ouvem seu CD enquanto são conduzidos ao destino?
Alguns sim. Eu mostro o CD e se a pessoa se interessar em ouvir eu coloco para ela escutar. É uma forma de entreter meus passageiros. Além de taxistas somos também ouvintes. Muitos estão com problemas que precisam desabafar. Os clientes nos contam coisas que não revelam a ninguém. Quando isso não acontece eu uso o recurso do CD que as pessoas gostam muito. Quando não estão interessadas eu logo percebo. Daí fico na minha. Não é sempre que combina com o estilo da pessoa. Mas na maioria das vezes elas prestigiam.

Sobre esse dom de improvisar prosas? Como isso acontece?

Eu faço uma prosa inédita na hora. É só me dizer o tema do assunto que eu improviso. Acredito que seja um dom divino porque nem eu sei explicar o que ocorre. De acordo com o assunto, as palavras vão fluindo. Acho que tenho uma estrela muito forte comigo porque quando inicio não sei nem a primeira palavra que vai sair. Depois que começo me vem uma emoção forte, um arrepio e tudo acontece. Não sei te explicar mesmo. Se me pedirem para repetir eu não lembro de nada. O tema sim. Mas a segunda prosa vai sair totalmente diferente da primeira.

O senhor improvisa dentro do táxi?
Sim. Dentro do táxi e também em festas de aniversário, homenagens especiais. No táxi, só se a pessoa pede. E quando isso ocorre, geralmente ela vibra junto. É muito gratificante. Se percebo que o ouvinte está gostando, parece que fico mais vulnerável à emoção. As palavras vem de uma maneira que até eu fico surpreso.

E quanto aos acontecimentos da sua profissão, quais os que mais lhe marcaram em toda a sua trajetória?
A gente se choca cada vez que matam um colega da gente. A pior hora da vida é quando vemos um colega no caixão.
(Seu Portinho emociona-se... Pausa para chorar)

O senhor pode expressar essas lágrimas?
(Silencia por alguns segundos)
É que eu sou muito emotivo.
(Mais alguns segundos de pausa)

O que está lhe passando pela cabeça nesse momento?

Ficam passando imagens na minha cabeça. A gente recorda o passado. Não adianta não querer lembrar. Tentamos espairecer, brincamos, mas mesmo assim as lembranças vêm. Infelizmente todos nós aqui estamos no mesmo caminho. Sabemos que corremos o mesmo risco. Mas é a vida. Temos que tocá-la.

Esses assassinatos foram por motivos de assalto?
Sim. Uns dez taxistas já foram mortos por assalto, por uns trocadinhos. Muitos deles eram meus amigos.

O senhor pensa em parar de trabalhar como taxista em função disso?

Às vezes penso, mas não quero parar porque se nascemos para uma determinada tarefa e se é a nossa missão, temos que persistir. Alguém tem de ser taxista para conduzir as pessoas nos momentos corridos, nos momentos difíceis. É um trabalho bonito e eu acredito na minha profissão.

Para finalizar essa entrevista, o senhor toparia nesse exato momento, fazer uma prosa improvisada em versos para os nossos leitores?


(O entrevistado olha para a calçada do ponto em que estávamos para observar as pessoas que passavam curiosas)
Tá. Mas eu vou cantar baixinho então.

Pode ser. Sinta-se à vontade...

Rômulo já que tu pediu
Não vou deixar de fazer
Eu sei cantar de improviso
Isso você pode ver
Estudo eu não tenho muito
Mas eu sei ler e escrever
E pra cantar de improviso
Eu não to num paraíso
Mas a homenagem é pra você
A homenagem é pra você
É assim minha intenção
Entregue pros teus leitores
O meu sincero perdão
Esses versos que eu faço
Com categoria e atenção
Deus que me dá essa guia
Pra eu fazer improvisação
To cantando aqui no ponto
Na ave que é a profissão
E você me entrevistando
E ouvindo a minha canção
Já respondi o que pergunta
E agora eu quero encerrar
Trinta anos de trabalho
Deus está a me iluminar
Você que ta trabalhando
Peço pra ele te ajudar
Todos os passos que tu deres
Que possas continuar
E você é um guri novo
Tem futuro pra enfrentar
Enxergo na tua pessoa
Teu modo de trabalhar
Que você é inteligente
Só vai levar pra ganhar

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