segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Saint Clair Cemin: O criador e as criaturas



Entrevista e Foto: Rômulo Seitenfus

O escultor cruz-altense Saint Clair Cemin, radicado em Paris, é reconhecido como artista em âmbito internacional. Suas obras monumentais espalhadas pelo mundo, apresentam o forte design do artista que mistura materiais como bronze, ferro, madeira, mármore e resinas sintéticas. A cada série de esculturas, provoca os olhos dos apreciadores de arte que instaladas em vários pontos turísticos de diversos cantos do mundo, o artista implanta no cenário perfeito, unindo a arte do homem aos encantos da natureza.
Autor do famoso monumento Supercuia de Porto Alegre, participou de várias edições da Bienal do Mercosul. Consagrado, relembra o início da carreira, a infância campeira, a educação voltada à arte e a busca pelo conhecimento.
Entrevistado na sala da antiga casa onde cresceu, Saint Clair reflete a importância aos momentos vividos, critica a academia contemporânea, cita grandes nomes da arte mundial e explica a linha contínua como forma de expressão.


Como iniciaste na arte? Poderias nos contar um pouco da tua trajetória?

Saí de Cruz Alta aos 17 anos, para São Paulo com meus pais. Minha intenção era estudar Física, eu era muito interessado na ciência, ainda sou. Tenho muito amigos cientistas, é algo que sempre me interessou. Já desenhava muito e, chegando em São Paulo continuei a desenhar, mais do que estudar matemática. Isso decidiu absolutamente a minha sorte, porque se você quer estudar as ciências, a matemática é essencial. Eu desenhava bem, aos 19 anos fazia ilustrações para a Revista Planeta. Desenhava à bico de pena, estava me tornando um artista profissional. Não digo um artista, mas um ilustrador pelo menos. Sempre desenhei e me interessava por arte, havia visto as bienais de São Paulo. Foi a primeira vez que vi arte internacional de tal forma, em 1969 e em 1971. Depois também eu tive a oportunidade de ver a Bienal de 1973. Minha formação artística começou com o conhecimento de artistas, os quais fiz amizade em São Paulo e também com artistas conceituais. Posso dizer que o meu interesse por arte praticamente nasceu com a arte conceitual. Mas, finalmente em 1974 fui para Paris e eventualmente comecei a estudar no Belas Artes e me interessar por gravuras. Como era um desenhista - principalmente gravuras em metal - comecei a profissão de gravurista, continuando em Nova Iork. Me mudei em 1978. No ano seguinte, em 1979, vi uma exposição que me influenciou muito, do Joseph Beuys, o artista alemão da pós-guerra que de escultor tornou-se um artista conceitual muito importante. Tinha uma exposição imensa dele, uma retrospectiva no Guggenheim Museum, e essa exposição me interessou muito, eu ia todos os dias vê-la, passava horas e consegui compreender perfeitamente o que esse artista estava fazendo. Depois disso, a gravura começou a me interessar muito menos, acabei vendendo o meu ateliê, parando de fazer gravuras uns dois anos depois. Fiz várias experiências, desenhos, relevos, uma série de trabalhos que faziam parte do meu desenvolvimento cultural como artista. Ao mesmo tempo, conheci muitos artistas da época que eram jovens como eu e estavam no princípio da carreira deles. Travei conhecimento também com críticos de arte como Allan Jones, que me apresentou pessoas como Leo Castelli, o grande representante dos artistas da Pop Art - todos os grandes da época - ele estava escrevendo um livro a respeito dos galeristas de Nova Iork, então eu ia com ele para fazer as entrevistas. Fiquei conhecendo muita gente interessante, conheci as mais antigas galerias de Nova Iork. Em 1985, por exemplo, eu conheci o pintor Francesco Clemente. Antes disso fazia parte de um grupo de artistas do East Village. Peter Halley, Jeff Koons, George Condo. Estavam todos em início de carreira. No verão de 1983 tive a ideia de começar um projeto que me interessava: Investigar a condição existencial de um artista no seu estúdio. Trouxe muitos materiais para o ateliê e comecei a fazer objetos de todo o tipo. Criei canecas com cara de gente, cinzeiros, bibelôs, era quase uma atividade como no surrealismo, eles chamam de automatismo. Continuei fazendo esses objetos até que me caiu nas mãos um livro a respeito das esculturas de Brancusi. Ele fala que para ele a escultura é talhar diretamente. Pegar uma pedra, um pedaço de madeira e esculpir. Eu pensei que, se Brancusi que era um gênio disse isso, então eu faria. Comprei alguns pedaços de alabastro e uma amiga com quem falei me disse: “Eu tentei fazer escultura, não consegui, tem um monte de pedras na minha casa”. Então peguei todas as pedras, inclusive pedras duras, mármore da Bélgica preto, coisas difíceis, e fiz uma pilha de pneus no meu apartamento para evitar o som - porque o barulho transmitia para o apartamento abaixo. Coloquei um pedaço de madeira em cima e comecei esculpi-las à mão. Fiz isso durante anos e, em 1985 realizei a minha primeira exposição em Nova Iorque na galeria Daniel Newburg, em que apresentei aproximadamente 50 peças, muitas em pedra, algumas em gesso, outras em madeira, duas ou três em bronze que eu havia fundido, todas pequenas. No ano seguinte fiz outra exposição com peças já um pouco maiores e já havia encontrado pessoas que patrocinaram o meu trabalho e a minha carreira tomou absolutamente uma proporção mundial. Comecei a mostrar em toda a parte e, em 1991, participei da Bienal no Whitney Museum em Nova Iorque. Esse foi o meu começo.


Voltando um pouco ao princípio, saíste de Cruz Alta em 1968. O que de significativo da infância influenciou nas tuas obras?

Sinto que a parte mais importante para mim, da minha infância, foi a época em que passei no campo com meus pais. Meu pai plantava trigo e eu passei aproximadamente dois anos da minha infância no campo. As lembranças dessa época são muito fortes, lembro dos tropeiros, do gado. Passava o tempo todo sozinho, mas muito feliz. Fazia uma coleção de ossos, caveiras de animais que catava no campo e as colocava embaixo da minha cama. Isso assustava muito as empregadas, mas minha mãe achava engraçado. Ela era uma mulher muito culta e me fez aprender todos os ossos do corpo. Ensinou-me a ler e escrever antes de eu vir para a cidade. Quando vim para a escola já estava alfabetizado. Aos seis, sete anos, já lia livros. Na escola eu era um menino tímido e tive pouquíssimos amigos. Gostava mais de livros do que de futebol.


Tuas figuras de certa forma são provocativas, impactantes e fortes. Não caíste no clichê, nem no caricato do Rio Grande do Sul. Onde te inspiraste para compor esse foco?

Quando você está usando o material do inconsciente, pode usá-lo de uma forma racional e perfeitamente controlada. Essa forma pode assumir a condição de cópia que, nesse caso, seria uma espécie de pop art ou pastiche, forma irônica e ridícula de repetir uma forma de arte popular. Esses quadros e esculturas gauchescas, alguns talvez tenham seu valor, mas em geral são coisas sem grande valor artístico, se bem que podem ser decorativos. Se eu fosse retomar esses assuntos de uma forma perfeitamente controlada e racional, a única maneira de fazê-los seria de forma irônica, e eu não tenho interesse nenhum à ironia. Esse tipo de trabalho retoma imagens como uma coisa já feita. Eu tenho uma visão da arte que é mais próxima do surrealista, quer dizer, a coisa se filtra através do inconsciente e sai como uma manifestação global do ser. É algo que participa todo o meu ser, desde o inconsciente até o consciente. As influências gaúchas são fortes, mas ao mesmo tempo elas não são nem irônicas, nem cópias de coisas já feitas.


Estamos no exato ambiente em que cresceste. Esta bela e antiga casa é o local que presenciaste o início de tudo. O que sentes ao voltar a esse ambiente?

Este não é o exato ambiente porque, nada é o exato ambiente de antes. Essa casa que estamos agora, quando eu era criança, ela não era branca. Era completamente decorada com os padrões mais fantásticos. Parece que minha avó deixara um pintor russo decorar a casa inteira. Haviam medalhões com figuras místicas, eram cenas da bíblia, desde o teto até o chão. Tudo era decorado com as coisas mais incríveis até que, a minha tia, depois da morte da minha avó, decidiu pintar por cima de branco. Ela queria ser moderna.


Voltar para este local fazes refletir sobre a vida? Tu imaginaste que teu futuro tomaria essa proporção toda?

Não, eu nem sabia que queria ser artista, eu pensava que seria filósofo ou cientista. De certa forma acho que consegui ser isso através da arte. Minha família preservava a casa com arte, e minha mãe recebia as pessoas na porta dessa residência de uma maneira muito afável e educada. Evangelistas lhe davam livros e, ao invés de dizer que não queria, aceitava-os e depois os usava como álbuns para colar todos os recortes das Revistas Cruzeiro e Manchete que ela comprava. Recortava todas as partes que se referiam à arte, quase todas as semanas ou meses. Havia um artigo ou dois a respeito de artistas contemporâneos ou antigos e ela sempre recortava as ilustrações e as colava nesses livros. Eu me lembro de um desses que era sobre nutrição e vigor. Então você tinha um capitulo de legumes e frutas e depois já a primeira pagina era Picasso! E na época a educação era assim, não havia grandes livros de arte.


Disseste em certa ocasião que a falta de uma linha contínua tem sido a única linha contínua do teu trabalho. Continuas pensando desta forma?


Sim, continua sendo isso absolutamente. Sinto que o estilo é uma das características, uma das dimensões da arte. Sinto que a dimensão principal da minha arte não é visível, procuro me surpreender com meu próprio trabalho, tenho impressão que meu objetivo na verdade é fazer algo que seja indescritível. Gostaria de ter um trabalho que eu mesmo não consiga descrever, porque penso que a arte deve ir além da linguagem. De certa forma, derrotar a linguagem. O que vejo é que a arte nos nossos dias tornou-se multidimensional. Qualquer coisa pode ser usada como elemento da obra e a obra pode assumir qualquer forma como a de vídeo, instalação, ou performance. Uma coisa, em compensação foi descartada. O que chamamos a expressão individual do artista, como a encontramos em abundância na arte modernista.
Eu mesmo tenho uma espécie de espírito um pouco rebelde e se existe uma academia a qual sou antagônico é a academia contemporânea. Não a arte contemporânea, pois sou um artista contemporâneo. Mas a academia, isto é uma moda que se estabelece. Eu com todo prazer voltaria à academia de 1890, só para não participar da academia de 2010. Todas essas coisas que são jogadas pela janela e consideradas como anacrônicas e absurdas, eu acho que são uma oportunidade fantástica para um artista, principalmente para mim. Eu as conservo com muito respeito e carinho e gosto de coisas que hoje em dia são consideradas absurdas, como toda a fase modernista. E, antes do modernismo mesmo, todas essas fases da arte que foram deixadas de lado.

Um comentário:

  1. Este gringo desenhava nos cadernos da gente...e eu que não guardei.

    Tem um cara de um restaurate em Paris que o Picasso pagava o rango desenhando nos guardanapos.

    Tá riquissímo hoje... e eu joguei meus cadrenos fora

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